Durante os Jogos Paralímpicos Rio 2016, sentado na arquibancada do Estádio Aquático, na Barra da Tijuca, Douglas Matera, então com 23 anos, acompanhou o desempenho do irmão mais velho Thomaz nas provas de natação do evento esportivo. Embora não tenha havido a conquista de medalha, a participação foi o suficiente para que o carioca decidisse pela volta à vida de atleta. Sete anos depois, Douglas, que integra o programa Time Rio, da Secretaria Municipal de Esportes, comemorou, no fim de novembro, um feito destinado a poucos atletas: faturou oito medalhas de ouro, em oito provas disputadas, em uma edição de Jogos Parapan-Americanos. Neste domingo (3/12), Dia Internacional da Pessoa com Deficiência, conheça a história do nadador que sonha em brilhar nos Jogos Paralímpicos Paris 2024.
Nascido na cidade do Rio de Janeiro em 8 de maio de 1993, Douglas Matera era atleta da chamada natação convencional quando, em 2009, decidiu abandonar o esporte. Ele tinha 16 anos, não estava bem na escola e era um adolescente com outros interesses na vida.
– Eu estava bem saturado e a natação exigia demais de mim. Eu ia nadar antes da escola e depois que voltava da aula. Estava tomando muito tempo da minha vida e eu já não sentia tanto prazer em nadar. Então, acabei desistindo.
Anos antes, Douglas e o irmão Thomaz foram diagnosticados com retinose pigmentar, uma doença genética hereditária que afeta as células da retina, provocando uma perda gradual da visão.
– Eu tinha 8 anos e meu irmão estava com 12. Sempre soubemos que íamos perder a visão, mas é o tipo de informação que você só compreende quando ela realmente acontece. Minha visão nunca foi boa, sempre tive de sentar na primeira cadeira na escola para conseguir acompanhar as aulas. Mas ela só foi piorar mesmo a partir de 2015, 2016, quando eu comecei realmente a ter alguma ideia do que é perder a visão. Mas toda a dificuldade que eu tenho exige que eu melhore em algum aspecto. Minha visão já foi muito melhor do que é hoje, mas, ao mesmo tempo, eu sei que ela hoje é melhor do que vai ser no futuro.
No caso de Douglas e Thomaz, a doença veio do avô materno. Eram quatro irmãos e dois tinham retinose pigmentar. Recentemente, por meio de um teste genético, eles descobriram mais sobre o comportamento da doença na família. O gene da retinose é ligado ao cromossomo X, então os dois tinham 50% de chance de ter a doença. Já a filha de Douglas, a pequena Amanda, de seis meses, possui o gene da retinose, mas não irá desenvolver a doença. Ela, no entanto, poderá passar para futuras gerações, como foi o caso de Simara, mãe de Douglas e Thomaz.
O retorno à natação
Em 2016 vieram os Jogos Paralímpicos do Rio. Ao lado de familiares, Douglas esteve no Estádio Aquático todo dia para assistir às provas do irmão. A atmosfera do evento esportivo e um convite de Thomaz fizeram as piscinas retornarem à rotina de Douglas.
– Meu irmão tinha voltado a nadar em janeiro de 2016 e, em seis meses, teve uma ascensão meteórica. Foi convocado para os Jogos e se tornou finalista paralímpico. Ele abriu as portas para eu voltar a nadar. Naquele ano, eu tinha me formado em Engenharia Civil, mas me animei a retomar a vida na natação. Fiz minha primeira classificação funcional em 2017 e fiquei como S13. Nadei de 2017 a 2022 nesta classe, quando tive uma reavaliação que assinalou uma piora significativa da minha visão, o que me fez mudar para a S12 (veja abaixo como funciona a classificação funcional na natação paralímpica).
A competitividade entre os irmãos é sadia. Douglas coloca Thomaz como uma referência que o fez acreditar ser possível voltar a ser atleta. Ver o irmão em uma final da natação paralímpica o fez avaliar que também poderia conseguir. Para Thomaz, foi uma satisfação enorme poder ver Douglas recuperar o gosto pela natação.
– Desde pequeno, sempre nadamos. Poder incentivar e motivar o retorno dele foi muito bacana. E ele está conquistando resultados. Eu tenho algumas marcas que o Douglas já superou – disse Thomaz.
Em 2019, nos Jogos Parapan-Americanos de Lima, Douglas começou a colher os primeiros frutos de sua volta às piscinas. Ele conquistou três medalhas de ouro (100m costas, 100m borboleta e 400m livre) e três pratas (200m medley, 100m livre e 50m livre). Nos Jogos Paralímpicos Tóquio 2020, realizados em 2021 por conta da pandemia, ele foi prata no revezamento 4x100m livre 49 pontos. No Mundial da Ilha da Madeira, em 2022, faturou o ouro no revezamento 4x100m livre. Este ano, no Mundial de Manchester, foi ouro nos 100m borboleta e no revezamento 4x100m medley e bronze nos 100m costas.
E então vieram os Jogos Parapan-Americanos de Santiago, no mês passado. O Brasil obteve sua melhor campanha da história no evento esportivo, e a natação foi a modalidade que mais rendeu pódios para o país: foram 120, sendo 67 medalhas de ouro. Destas, oito vieram das braçadas de Douglas: 100m costas S12, 100m borboleta S12, revezamento 4x100m medley 49 pontos, 100m livre S12, 50m livre S13, 400m livre S13, revezamento 4x100m livre 49 pontos e 200m medley S13. E o irmão Thomaz ainda contribuiu com a prata nos 50m livre S13 e o bronze nos 100m borboleta S12, 100m livre S12 e 400m livre S13.
– Eu não esperava esse resultado. Existem muitos atletas competitivos no Brasil e no exterior, e ganhar oito ouros foi surpreendente. Fui com a intenção de nadar o máximo de provas porque sabia que teria uma performance competitiva, mas não imaginava que fosse ganhar todas. Ainda estou tentando dimensionar o que isso significa.
Ao ganhar todas as provas em Santiago, Douglas se viu diante de um feito de poucos atletas. No Brasil, outro nadador se acostumou a essas realizações: Daniel Dias. Mas o carioca foge da comparação com o ex-nadador a quem chama de lenda vida do esporte paralímpico.
– É difícil me comparar a ele. O Daniel é extremamente talentoso e dedicado, e quando você alia essas duas coisas, consegue os resultados que ele alcançou. E o esporte precisa de ídolos. Temos de ressaltar o que ele conquistou e toda a contribuição que deu para o esporte paralímpico. Estou feliz de, no meu segundo Parapan, ter dado uma ótima contribuição para o quadro de medalhas do Brasil.
Agora, aos 30 anos, Douglas sonha em brilhar nos Jogos Paralímpicos Paris 2024. E conquistar a tão sonhada medalha de ouro no evento esportivo mais importante de toda a sua carreira de atleta.
– Se tudo der certo, estarei em Paris. Quero chegar lá na minha melhor forma física, dar meu melhor e conquistar o título que falta: o de campeão paralímpico. Conversei com meus adversários dos 100m borboleta, minha principal prova, e vai ser uma briga acirrada pelas medalhas – disse o nadador, que terá 31 anos na época dos Jogos de Paris.
Na disputa pelos pódios, Douglas conta, desde 2022, com o apoio da Prefeitura do Rio. A atual gestão retomou o projeto Time Rio Olímpico e Paralímpico, que havia sido criado em 2010, mas suspenso durante o último governo. O programa é uma parceria entre a Prefeitura e os Comitês Olímpico e Paralímpico do Brasil. Ao todo, 36 atletas olímpicos e 24 paralímpicos são beneficiados pelo município com uma bolsa mensal de cerca de R$ 8 mil. Os critérios para a escolha dos atletas são definidos pelos comitês, que também fazem uma avaliação anual dos beneficiados.
Nesta nova edição do Time Rio, os atletas contam com um incentivo extra do município: a conquista de medalha no Pan e no Parapan de Santiago valeu o direito de receber mais duas parcelas do benefício mensal. Já quem medalhar nos Jogos Olímpicos e Paralímpicos Paris 2024 ganhará mais cinco parcelas.
– Tenho muito orgulho de falar que integro o Time Rio. Vejo atletas pedindo para que suas cidades tenham um programa semelhante. Com ele, posso me dedicar 100% ao esporte. Quando voltei a nadar, eu ainda tinha de me dedicar a outras atividades que me rendessem algum retorno financeiro. Só passei a me dedicar exclusivamente à natação com o apoio do Time Rio – afirmou o nadador, que tem a companhia do irmão no projeto municipal.
Um outro suporte para o nadador vem do Vasco da Gama. Douglas destaca que, embora a cidade do Rio tenha quatro clubes chamados de grandes, apenas o Cruzmaltino se destaca no paralimpismo.
– O Vasco é um clube historicamente inclusivo, foi o primeiro a ter jogadores negros no seu elenco numa época em que o racismo imperava e não era permitido ter jogadores negros no futebol. Hoje, ele é o grande clube do esporte paralímpico no Rio. É uma honra e um orgulho defender o Vasco.
Classificação funcional da natação paralímpica
Na natação paralímpica, a letra S vem de swimming (natação em inglês) e o número vai de 1 a 14, sendo que, quanto menor o número, maior o grau de deficiência do atleta. De 1 a 10 refere-se ao comprometimento físico do nadador; de 11 a 13 são as classes de deficiência visual; e o 14 é para pessoas com deficiência intelectual.